30 de setembro de 2017

A dança da libertação

Uma das coisas que mais gosto de fazer por aqui é nos sábados à noite ir observar as meninas do lar a dançar. Digo observar porque o meu jeito para dançar é aproximadamente nulo e sempre que tento é motivo de divertimento para as meninas. No entanto, ainda não perdi a esperança de alguma coisa aprender.

Na última vez que fui, reparei numa coisa muito interessante, até as meninas mais tímidas dançavam de forma livre.
As meninas e mulheres  vivem muitas vezes oprimidas, primeiro porque foram ensinadas a olhar para o chão e depois porque é difícil perceberem que podem levantar a cabeça. Podia-vos falar dos vários tipos de opressão da mulher por aqui, mas fica para uma próxima.

A maior parte do meu trabalho aqui é com jovens e raramente consigo arrancar uma opinião ou até mesmo uma palavra da maior parte das jovens, excepto aquelas meninas que andam ou andaram no lar, deve ser a coisa mais bonita que o lar lhes ensina, a ter uma voz, mesmo assim a maior parte delas acredita que "num combate" com o homem e homem tem obrigatoriamente superioridade.

Existe apenas um momento em que essas formas de opressão deixam de existir e é quando dançam, é uma dança de libertação, são mulheres todas iguais a dançar de forma livre e espontânea, sem opressões. É um momento que me delicia, quem me conhece sabe o quanto eu gosto de igualdade, portanto é um momento que eu gosto de saborear, a libertação da mulher, a libertação da mulher moçambicana. Aqui quando uma mulher dança é livre.

28 de setembro de 2017

CARTA MISSIONÁRIA DE ITOCULO - 2017

Salama

A Equipa Missionária de Itoculo envia uma saudação fraterna e amiga, neste Mês Missionário, a todos aqueles e aquelas que sintonizam e simpatizam connosco. A paz e a alegria do Senhor Jesus estejam convosco.


Porque nos sentimos missionários/as numa terra missionária, queremos partilhar um pouco aquilo que nos enche o coração. Como muitos outros, um dia deixamos a nossa terra de Cabo Verde, Portugal, Gana e República Centro-africana e chegamos à Missão de Itoculo – Moçambique. Aqui procuramos viver a missão como Jesus nos convida. Somos três padres, três irmãs, um seminarista-estagiário e uma leiga voluntária. Uns estão a iniciar, outros já levam vários anos de missão; uns já percorreram diversos países e situações missionárias, outros começam esse percurso; uns são jovens lançados na aventura, outros são adultos e mais experimentados; uns vêm para ficar, outros ficam apenas por tempo determinado; todos somos missionários/as.

Jesus Cristo e o Seu Evangelho são o fundamento da nossa missão junto das 79 pequenas comunidades ministeriais da missão. Anima-nos a força vivificante do Espírito Santo e o exemplo disponível e atento de Maria para responder aos desafios daqueles que vêm ao nosso encontro. Acreditamos que esta é a vontade de Deus, a salvação integral, no corpo e no espírito, de cada pessoa.

Não estamos aqui em nome próprio, nem nos sentimos sozinhos. Fomos enviados por uma Congregação, os Missionários/as do Espírito Santo, trazemos no coração as nossas famílias e comunidades paroquiais de origem, sempre temos presente aqueles muitos irmãos e irmãs que se sacrificam, rezam e partilham com generosidade para fazer esta missão acontecer. Um sentimento de comunidade fraterna e comprometida, universal e sem fronteiras nos envolve.

No coração da nossa missão está Jesus Cristo, com Ele nos identificamos e como Ele nos entregamos. Um estilo de vida que, muitas vezes, contrasta com a realidade local e se torna desafiante para todos. Viver unidos, trabalhar juntos, rezar em comunhão, testemunhar com fidelidade, conviver como irmãos, entre outras coisas, são aquilo que nos preenchem e realizam a nossa vida missionária.

Todos começamos por ser estrangeiros e estranhos quando chegamos. Mas pouco depois vamo-nos aproximando, derrubando as fronteiras da língua, da cultura, dos hábitos. Uma peregrinação que nos leva ao encontro daquelas crianças e jovens que não sabem ler nem escrever, daqueles que têm fome e estão desnutridos, daqueles que mal ouviram falar de Deus e O buscam de todo o coração e daqueles que estão divididos entre a fé e a tradição local. Consideramos serem estas as atitudes vitais da missão que nos é confiada.

Uma das marcas dos nossos encontros e celebrações é o panorama juvenil. Os jovens predominam e são a esperança da missão. A sua adesão e compromisso na fé são um desafio constante, tal como é desafiante a incerteza do futuro para eles. O desejo de paz e a boa convivência são uma marca cultural, formando um projeto de vida iluminado pelo Evangelho.   

Nesta terra que acolhe missionários/as também vão surgindo pequenos sinais de maturidade cristã. Este ano fomos brindados pelos primeiros jovens que professaram na Vida Consagrada. Brevemente faremos o envio da primeira jovem, irmã consagrada, para o Haiti. Somos uma Igreja jovem que dá os primeiros passos nestes novos caminhos. Que Maria, Mãe da Evangelização, nos inspire e ajude a seguir em frente, estimulados pela sua intercessão.

Enfim, desta maneira interpretamos a carta do Papa Francisco para o Dia Mundial das Missões, confirmando que a missão está no coração da fé cristã, e quando há um bom coração a fé fica mais fortalecida e a missão mais animada. Assim queremos continuar sempre unidos «num só coração e numa só alma». Obrigado.

Missão Católica de Itoculo/Moçambique, Outubro de 2017.

A Equipa Missionária de Itoculo,

P. Raul Viana, P. Edmilson Semedo, P. Vincent Ntrie-Akpabi, Ir. Eduarda Brito, Ir. Adelaide Teixeira, Ir. Tatiana Judith, Estagiário Alexandre Gomes e Leiga Voluntária Helena Ferreira.


19 de setembro de 2017

A minha caminhada vocacional

entrevista com o Jovem Professo Juma Mário Henriques

-Como surgiu a sua vocação?
Juma: Eu nasci e cresci numa família cristã no dia 09 de Novembro de 1988 e tenho a sorte de ser o primeiro filho dos meus pais dentre os 7 filhos do senhor Mário Henriques Mucalihene e Luísa Chanfar, a qual já está nas mãos de Deus (que a sua alma descanse em paz). Fui baptizado na comunidade de S. Timóteo Mutiapua no dia 23 de Junho de 1998 pelo Pe. Damasceno dos Reis e recebi o Nome de Yohane (João) Mário Henriques (nome que não aparece no meu registo civil) e tenho como os meus padrinhos Alves Samua e Anastácia Juma.


-Como foi a caminhada vocacional?
Juma: A minha caminhada vocacional começa com o exemplo e o testemunho dos Missionários Espiritanos. Fiquei maravilhado com a vida e a simplicidade destes missionários que trabalhavam nesta Paróquia levando a Palavra de Deus nas zonas difíceis de penetrar e aspirava também entrar na Vida Religiosa para viver como eles, principalmente servindo os mais necessitados. Mas não sabia como. Até que um dia ouvi pela primeira vez a falar da vocação por uma Irmã Espiritana que estava na paróquia. Depois, foi a irmã Felecité que me orientou para entrar em contacto com o animador vocacional para ser incorporado na lista dos vocacionados da paróquia. Assim feito, comecei a entrar em contacto com os Padres, especialmente Pe. Damasceno dos Reis, que na altura era o Pároco em colaboração com Pe. Raul Viana que era animador das vocações.

Depois de concluir a 7ª classe na EPC de Itoculo-Sede no ano 2004, parei de estudar num período de dois anos (2005-2006). Neste intervalo ajudava os meus pais a cultivar a terra e fui alfabetizador com o sonho de prosseguir com os meus estudos secundários. Nos anos 2007-2009 continuei com os meus estudos secundários na Escola Secundária de Monapo, onde continuei a ser acompanhado nos encontros vocacionados pelos padres de Verbitas que trabalham no Monapo. No ano de 2008 comecei a entrar em contacto com os padres da Consolata por intermédio dos seminaristas Noé e Joaquim Caetano que conheci no Monapo num dos nossos encontros vocacionais. A 29 de Janeiro de 2010 entrei no Seminário da Consolata, Casa Allamano, em Nampula, onde fiz três anos de estudos. E nos anos 2013-2015 estava em Maputo para os estudos Filosóficos. Terminada a Filosofia fui enviado para Quénia para estudar a língua Inglesa e depois fazer o Noviciado.

A minha caminhada vocacional foi repleta de alegrias, mas também algumas tristezas por exemplo um dos momentos difíceis da minha caminhada vocacional vivi no ano de 2012 quando recebi uma chamada inesperada no dia 29 de julho com uma mensagem que anunciava a perca da vida da minha saudosa mãe.  Eu, sendo o primeiro filho comecei a pensar em regressar do Seminário para cuidar dos meus irmãozinhos, graças aos conselhos dos missionários e missionárias, dos meus professores, e mesmo do meu pai, me deram a coragem de continuar. Ir Adelaide, que todos nós conhecemos, dizia "Maria mãe de todos nós, vai cuidar dos seus irmãozinhos".

O Segundo desafio na minha caminhada vocacional foi a condição económica e social como muitas famílias de Itoculo que vivem da agricultura. A minha família também se sustenta da agricultura que muitas vezes não chega para responder às necessidades básicas do dia-a-dia, principalmente na área da educação e saúde. Assim, para responder às minhas necessidades académicas, trabalhava nos Padres durante as minhas férias junto com outros estudantes da minha idade, e assim conseguia adicionar com o dinheiro que o meu pai conseguia. As palavras do Pe. Damasceno, que as considero proféticas na minha vida, ele dizia numa das nossas conversas "Se é o chamamento de Deus nunca lhe vai faltar o suficiente para realizar o teu sonho ". E de facto a partir dessa altura nunca faltou o necessário mesmo que por mim acho impossível.

- Como foi a celebração da Primeira Profissão?
Juma: É desta maneira que cheguei a ter os Primeiros Votos Religiosos no dia 08/07/2017 em Sagana -Quénia na Paróquia nossa Senhora da Consolata Sagana Catholic Church, tornando-me assim o primeiro missionário da Consolata desta Paróquia que viu nascer a minha vocação religiosa e missionária. Foi um momento inesquecível e ao mesmo tempo um momento de manifestação do amor de Deus Pai na minha vida. Eramos 18 jovens de quatro nacionalidades, a saber: Republica Democrática do Congo, Uganda, Moçambique e Quénia. A Santa Missa foi dirigida pelo Reverendo Pe. Joseph Waitakha, Superior Regional do Quénia e Uganda. A Profissão Religiosa foi testemunhada por centena de cristãos.

-Que perspectivas para o futuro?
Juma: O meu plano para o futuro próximo é de continuar com estudos, na África do Sul, para fazer a teologia que é a última fase da formação sacerdotal. Depois, ir nas terras de missão onde o Espírito Santo quiser que eu esteja, se esta for a vontade de Deus.

-Que mensagem deixa aos jovens de Itoculo?

Juma: Para terminar quero agradecer a cada um de vós pelas vossas orações e conselhos que me ajudaram a realizar o meu sonho de ser religioso. Ao mesmo tempo pedir a cada um de vós irmãos e irmãs de colocar nas mãos de Deus todos os vossos sonhos pois, Jesus o nosso Senhor, nunca vos abandonará.

6 de setembro de 2017

A BELEZA DA VIDA

entrevista com
Ir. Argentina Alfredo

-Como surgiu a sua vocação?
Ir. Argentina: A minha vocação surgiu através dos encontros dos jovens, com uma frase que diz «Não há maior prova de amor do que dar a vida pelos seus irmãos». Tudo começou em 2006, a primeira vez que eu participei no encontro de jovens na comunidade São José - Itoculo. Com certeza que na minha caminhada vocacional houve dificuldades. Para entrar na escola secundária, tendo falado com o meu pai, ele disse-me que gostaria que eu continuasse os estudos mas infelizmente não tinha condições. Não parei, e fui falar com o meu irmão. Ele começou a desconfiar de mim, dizendo que isso era um motivo para eu ir na cidade e arranjar um homem para casar, e não para estudar. Lembro-me que um dia chorei amargamente, porque eu falava de uma maneira e ele entendia ao contrário, pois pensava que eu voltaria como grávida.

No início do ano lectivo, depois de uma semana de aulas, onde todos tinham partido para escola, eu fiquei sozinha em casa, e um dia uma Irmã me chamou e me perguntou porque não fui à escola. No meu coração, quando a Irmã começou a falar, eu disse-lhe: «fiz tudo por tudo». Então, expliquei-lhe e ela mandou chamar o meu irmão, e ele disse a essa Irmã as mesmas palavras, que não tinha confiança em mim, pois ir na cidade era apenas para procurar um marido. A Irmã disse ao meu irmão para alugar uma casa, e ele arranjou. Mas sempre manifestava que não estava seguro de mim.


-Como foi a caminhada vocacional?
Ir. Argentina: Onde estudava sempre participei nos encontros dos jovens e dos vocacionados. Nesse tempo o meu sonho era para fazer medicina, trabalhar nos hospitais. Entretanto, comecei a ter contacto com as Irmãs Missionarias do Espírito Santo, interessando-me cada vez mais pelo carisma da Congregação: «Ide por todo mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura». Um dia perguntei a uma Irmã se elas trabalham na área da saúde, pois quem sabe se era lá que o Senhor me chamava a ser também Irmã. Ainda estava a fazer os meus estudos na esperança de que um dia as portas se abririam para mim. Não vacilei e terminei os estudos em 2012.

Em 2013 as Irmãs, como me conheciam, me pediram para entrar e começar a primeira etapa de formação, o postulantado. Porém, antes de chegar a data de entrada na casa das Irmãs, o meu pai morreu e uma crise chegou em mim, pois houve momentos de desolação e fiquei desanimada, já não queria mais entrar nas Irmãs. Eis que experimentei momentos fortes e fracos, momentos de desolação e momentos de consolação. O meu irmão que não queria que eu continuasse os meus estudos, lembrou-me das últimas palavras do meu pai no seu último suspiro, chamou-me e disse-me estas palavras: «minha filha escolheste esta caminhada e isso é bom, mas decide bem se entregas com todo o teu coração». São as últimas palavras do meu pai que guardo no fundo do meu coração. Mas creio como futura Missionária, pois a vida missionária tem a sua hora de renúncia, tem a sua hora de graça. Deus dá as graças necessárias, porque não foi fácil deixar minha mãe sozinha. 

De seguida em 2014 fui para o Senegal onde fiz a segunda etapa do postulantado, e aprendi a língua francesa. Em 2015 fui para a França para continuar a minha formação religiosa, onde fiquei dois anos no noviciado. Um ano chamado ano canónico, e um ano com Deus no deserto, para me concentrar naquilo que eu desejava ser, ou naquilo que o Senhor me pedia para ser ou fazer na minha vida. Um verdadeiro discernimento. Neste segundo ano tivemos um estágio para viver em prática o apostolado, e depois fiz a minha Primeira Profissão Religiosa em França no dia 8 de Julho 2017.

- Como foi a celebração da Primeira Profissão?
Ir. Argentina: Tudo o que vivi nesta celebração da Primeira Profissão Religiosa foi uma marca do amor de Deus. Hoje dou graças a Deus pelo dom da minha caminhada, onde Ele me ajudou a fazer deserto nos momentos difíceis e a descobrir que as dificuldades fazem parte da minha vida quotidiana, mas precisam de ser ultrapassadas e continuar a caminhar para a frente. Importa, por isso, viver com alegria e gratidão numa atitude de abertura e docilidade. Como disse a nossa fundadora «A missão não é correr, é deixar que Espírito Santo seja o único móvel e a única vida em nós». Experimento em mim que no compromisso vivido na fé encontro o Senhor em tudo e tenho plena confiança. Cada dia me coloco esta pergunta a Jesus: «Senhor que quereis que eu faça?». Que se faça sempre a Sua vontade não a minha.

-Que perspectivas para o futuro?
Ir. Argentina: A minha perspectiva para o futuro próximo é saber amar como Jesus amou toda a sua vida aos seus irmãos. Por isso estou pronta para partir para a missão no Haiti.

-Que mensagem deixa aos jovens de Itoculo?
Ir. Argentina: Aos jovens gostaria de deixar uma mensagem de atenção para o chamamento que Deus faz, e deixar-se guiar pelo Espírito Santo e pela Palavras de Deus, não ter medo de dar um ‘sim’, e avançar mesmo no meio das dificuldades. Não importa quem és, nem qual e o teu passado. O Senhor está contigo para ajudar-te a caminhar na vida. A todos convido a experimentar a vida missionaria. Rezemos juntas esta oração:

«Senhor Jesus que viestes a terra não para ser servido, mas para servir, ensinai-me a servir-Vos como desejais, livrai-me de toda a procura de mim mesma. Conservai o meu coração bem liberto de todo orgulho espiritual e concedei-me a graça de nunca atribuir a mim o bem que me permites praticar, fazei que eu seja de tal modo repleta do teu Espírito e o teu amor que dando, me seja a Vós que eu me dou». Amem.


26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...